sábado, 24 de janeiro de 2009

E porque não?

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Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
à despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira

10 comentários:

pin gente disse...

estás convidada a vir. e despeço-me de ti da forma mais pura. sim, quando estiver cansada aviso-te. chamo-te para te despedires de mim! virás se quiseres. livremente. tão livre como eu ficarei. diremos adeus, então! porque é para quem parte. e eu partirei. quando estiver cansada. prefiro ser como a tal nuvem além. leve. branca. assim, continuarei com os olhos húmidos. tu sabes que o olhar foi algo que sempre me apaixonou! pensar que os meus olhos secariam entristece-me. não gostaria de vos deixar, triste. o meu sorriso falará por mim apesar do cansaço. e, com os meus olhos húmidos posso ver-vos a toda a hora. posso ver-vos até que alguém se sinta igualmente cansado e decida fazer-me companhia. porque não podemos escolher como morrer?



um beijo, ana

Oris disse...

Como parece tudo muito fácil!!!

As tuas palavras comoveram-me...

Obrigada, Amiga.

Beijitos

Maria disse...

Apesar de tudo eu canto a VIDA todos os dias. e para cantar comigo te convido, Oris.
Mas tenho de concordar que este texto do Zé Gomes é muito especial, como ele era...
Obrigada.

Bom domingo
Um beijinho

Oris disse...

Maria

Eu também canto a vida e todos os dias penso como é bom acordar e dizer: -Vamos lá, mais um dia...

No entanto, está a ser cada vez mais difícil ver o sofrimento dos amigos antes de partirem.

Bom domingo para ti também.
Beijitos

Madrigal disse...

Escrevi há muito pouco tempo algo no meu blog sobre a morte do João Aguardela, antigo companheiro de Universidade, e, por ironia casual, espero, deparo-me com a temática da morte neste teu post... Ultimamente, muitas pessoas, umas mais chegadas, outras nem tanto, têm desaparecido. Suicídio e doenças terminais têm sido as causas invariáveis da sua ida precoce.

Falo de conhecidos e amigos com idades próximas da minha, alguns até bastante mais novos; e eu, que desde há muito tenho uma aguda certeza acerca da precariedade da vida, penso que nos devemos, cada vez mais, concentrar no amor. O amor salva e é uma das razões, se não a principal, para gostarmos de viver.

É a ele que nos devemos dedicar e entregar, sem reservas nem ressalvas - antes que seja tarde.

Um beijito à dona da casa e outros tantos para as ilustres visitantes. Abraços aos eventuais cavalheiros.

Bem hajam!

Jorge

Oris disse...

Jorge

Eu li o que escreveste no teu blog sobre a morte do João...

É como tu dizes, todos os dias têm desaparecido amigos que nos deixam muitas saudades.
Acho, que ultimamente isso está a acontecer, com demasiada frequência.
Como tenho muita dificuldade em lidar com a morte, isso está-me a perturbar.
Espero ser capaz de ultrapassar tudo isto.
O amor...ai o amor...minimiza, mas não cura!!!

Boa semana.
Beijitos

Anónimo disse...

E porque não ? Eu cá gostava d morrer rápido.
Outono

Oris disse...

Outono

Acho que é o desejo de todos nós.
Se temos que morrer, porque razão tem que haver sofrimento?

Beijitos

Madrigal disse...

Há muitos anos atrás, dava eu aulas como professor de Português (as famosas substituições temporárias e os mini-concursos) e, precisamente, numa composição que tinha por tema "A morte", um dos meus discentes expressou um sentimento congénere. Dizia o menino que gostava de "morrer e acordar morto" para não ter de sofrer.

Ignoro se o petiz chegou a completar o 10º ano - se fosse por ênfase poética até que lhe perdoava a bordoada na língua pátria, mas tive de ser rigoroso, por uma questão de justiça para com os outros. Mas, confesso, que me agrada, como recurso estilistíco, a riqueza da expressão.

Pessoa "fumava pensativos cigarros" e foi, tão-só, o maior poeta de língua portuguesa do século XX...

Que saudades desses tempos...

Beijitos à bloguista ausente.

Jorge

Oris disse...

Jorge

Sabes que eu acho gira a expressão "acordar morto"?
Ouvi-a, muitas vezes na aldeia, nas conversas com os mais velhos...

Era assim que eu gostava de morrer...

:))

Boa semana para ti.

Beijitos