Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
à despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira
Lembranças
Há 17 horas
10 comentários:
estás convidada a vir. e despeço-me de ti da forma mais pura. sim, quando estiver cansada aviso-te. chamo-te para te despedires de mim! virás se quiseres. livremente. tão livre como eu ficarei. diremos adeus, então! porque é para quem parte. e eu partirei. quando estiver cansada. prefiro ser como a tal nuvem além. leve. branca. assim, continuarei com os olhos húmidos. tu sabes que o olhar foi algo que sempre me apaixonou! pensar que os meus olhos secariam entristece-me. não gostaria de vos deixar, triste. o meu sorriso falará por mim apesar do cansaço. e, com os meus olhos húmidos posso ver-vos a toda a hora. posso ver-vos até que alguém se sinta igualmente cansado e decida fazer-me companhia. porque não podemos escolher como morrer?
um beijo, ana
Como parece tudo muito fácil!!!
As tuas palavras comoveram-me...
Obrigada, Amiga.
Beijitos
Apesar de tudo eu canto a VIDA todos os dias. e para cantar comigo te convido, Oris.
Mas tenho de concordar que este texto do Zé Gomes é muito especial, como ele era...
Obrigada.
Bom domingo
Um beijinho
Maria
Eu também canto a vida e todos os dias penso como é bom acordar e dizer: -Vamos lá, mais um dia...
No entanto, está a ser cada vez mais difícil ver o sofrimento dos amigos antes de partirem.
Bom domingo para ti também.
Beijitos
Escrevi há muito pouco tempo algo no meu blog sobre a morte do João Aguardela, antigo companheiro de Universidade, e, por ironia casual, espero, deparo-me com a temática da morte neste teu post... Ultimamente, muitas pessoas, umas mais chegadas, outras nem tanto, têm desaparecido. Suicídio e doenças terminais têm sido as causas invariáveis da sua ida precoce.
Falo de conhecidos e amigos com idades próximas da minha, alguns até bastante mais novos; e eu, que desde há muito tenho uma aguda certeza acerca da precariedade da vida, penso que nos devemos, cada vez mais, concentrar no amor. O amor salva e é uma das razões, se não a principal, para gostarmos de viver.
É a ele que nos devemos dedicar e entregar, sem reservas nem ressalvas - antes que seja tarde.
Um beijito à dona da casa e outros tantos para as ilustres visitantes. Abraços aos eventuais cavalheiros.
Bem hajam!
Jorge
Jorge
Eu li o que escreveste no teu blog sobre a morte do João...
É como tu dizes, todos os dias têm desaparecido amigos que nos deixam muitas saudades.
Acho, que ultimamente isso está a acontecer, com demasiada frequência.
Como tenho muita dificuldade em lidar com a morte, isso está-me a perturbar.
Espero ser capaz de ultrapassar tudo isto.
O amor...ai o amor...minimiza, mas não cura!!!
Boa semana.
Beijitos
E porque não ? Eu cá gostava d morrer rápido.
Outono
Outono
Acho que é o desejo de todos nós.
Se temos que morrer, porque razão tem que haver sofrimento?
Beijitos
Há muitos anos atrás, dava eu aulas como professor de Português (as famosas substituições temporárias e os mini-concursos) e, precisamente, numa composição que tinha por tema "A morte", um dos meus discentes expressou um sentimento congénere. Dizia o menino que gostava de "morrer e acordar morto" para não ter de sofrer.
Ignoro se o petiz chegou a completar o 10º ano - se fosse por ênfase poética até que lhe perdoava a bordoada na língua pátria, mas tive de ser rigoroso, por uma questão de justiça para com os outros. Mas, confesso, que me agrada, como recurso estilistíco, a riqueza da expressão.
Pessoa "fumava pensativos cigarros" e foi, tão-só, o maior poeta de língua portuguesa do século XX...
Que saudades desses tempos...
Beijitos à bloguista ausente.
Jorge
Jorge
Sabes que eu acho gira a expressão "acordar morto"?
Ouvi-a, muitas vezes na aldeia, nas conversas com os mais velhos...
Era assim que eu gostava de morrer...
:))
Boa semana para ti.
Beijitos
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